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Carola Dobrigkeit: desvendando os raios cósmicos

Carola Dobrigkeit Chinellato, nascida em 1952, mudou-se da Alemanha para o Brasil ainda criança. Ela cresceu em Campinas/SP, e tinha apenas 15 anos quando sua curiosidade pela física foi despertada. Inspirada por um professor que lhe apresentou a desafiadora tarefa de dar aulas aos colegas reprovados nos exames finais, o fascínio de Carola pela física e pelo ensino cresceu. Durante as férias escolares, ela se dedicou a dar aulas de física aos colegas, um empreendimento que não apenas satisfez seu amor pela matéria, mas também a ajudou a ganhar algum dinheiro extra.

Ao considerar suas escolhas profissionais, ela diz “Quando você tem 15 anos, você não tem ideia do que vai fazer. Você não tem imaginação para saber o que faz um físico, principalmente porque no ensino médio o ensino de física é muito básico. As oportunidades que tive me levaram a escolher a docência e a física como profissão.”

Foi nesse período que Carola tomou a decisão de cursar física na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Aos 21 anos, ela alcançou um marco significativo ao se tornar a mulher mais jovem a ocupar um cargo no Instituto de Física Gleb Wataghin, no Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia da Unicamp. Sua trajetória acadêmica a levou a um interesse particular pelo campo da estrutura da matéria, assunto que explorou sob a orientação de César Lattes, físico brasileiro altamente respeitado e conhecido por suas contribuições à física de raios cósmicos. César Lattes desempenhou um papel fundamental na descoberta do píon (conhecido como méson pi na época) em 1947, uma conquista inovadora que levou ao Prêmio Nobel de Física para Cecil Frank Powell [1]. Foi sob a orientação de Lattes que ela deu os primeiros passos no mundo da pesquisa em raios cósmicos.

Em 1974, publicou como coautora um artigo em colaboração entre Brasil e Japão. Esta pesquisa se concentrou na detecção de raios cósmicos na região de alta altitude de Chacaltaya, situada nos Andes bolivianos [2]. Em 1982, Carola obteve seu doutorado, que se concentrou na estimativa do fluxo vertical absoluto do componente eletromagnético da radiação cósmica em Chacaltaya. Esta estimativa foi baseada em medições meticulosas e em uma análise aprofundada das cascatas eletromagnéticas detectadas em câmaras de fotoemulsão e chumbo.

Na década de 1980, como parte das Colaborações Pamir, Monte Fuji e Chacaltaya, ela participou de inúmeras pesquisas que investigaram o intrigante domínio das interações nucleares. Esses estudos aproveitaram o poder das câmaras de emulsão conjuntas em experimentos baseados em montanhas e expandiram significativamente nossa compreensão de como os raios cósmicos interagem com a atmosfera da Terra [3] [4].

Carola avançou ainda mais em sua jornada acadêmica com dois pós-doutorados na Alemanha. Seu primeiro pós-doutorado ocorreu na Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg em 1989, onde se envolveu em pesquisas e trabalhos relacionados à física de partículas e campos elementares. Depois disso, em 1996, embarcou na sua segunda experiência de pós-doutoramento no Forschungszentrum Karlsruhe, onde continuou a sua exploração aprofundada do fascinante mundo das partículas e campos elementares. Mais tarde, Carola tornou-se membro integrante da Colaboração Pierre Auger desde o seu início, contribuindo para a sua construção e operação em vários grupos de trabalho. O Observatório Pierre Auger mede raios cósmicos de energia extremamente alta, a população-mãe dos raios gama observados pelo CTAO.

Embora a associação de Carola com a Unicamp como professora remonte a 1974, ela obteve o status de professora titular em 2016, sendo a primeira mulher a ocupar uma cadeira de titular. Refletindo sobre esse marco, Carola diz: “Nosso instituto passou muitos anos sem ter uma professora titular. “Minhas colegas me incentivaram a participar do processo, como forma de abrir caminho para as mulheres na física da Unicamp.” Mesmo hoje a física na UNICAMP tem apenas 10% de mulheres em seu quadro de docentes.

Início da carreira com Cesar Lattes

Um momento crucial em sua carreira foi quando ela passou de aluna a colega de seu mentor, César Lattes. Ela se lembra com carinho de uma ocasião, em 1974, bem no início de sua carreira: “O professor Lattes me convidou para dar aulas. Ele esteve presente na sala e em cada uma aprendi coisas novas, mas também foi um grande desafio. Ensinar os alunos é uma coisa, mas ensinar com o professor Lattes observando é outra”, lembra.

Numa dessas aulas, a jovem professora fez uma dedução no quadro e o professor Lattes disse que aquela não era a melhor forma de deduzir e pediu que ela fizesse de outra forma. “A aula entrou em colapso. Apaguei e comecei de novo. Deduzi tudo o que ele havia me pedido e quando terminei ele disse: ‘Acho que o seu jeito é melhor.’ A turma riu e a situação foi muito positiva em termos de aprendizado. Pude mostrar que existem diversas formas de se chegar a um resultado”, afirma.

A professora Carola Dobrigkeit ainda nos mostra que existe mais de uma forma de se obter um resultado, tanto na vida quanto no trabalho. Sua carreira distinta é uma prova de sua determinação inabalável e paixão sem limites por desvendar os segredos do Universo. As suas extensas contribuições para os raios cósmicos de alta energia e a física de partículas [5] não só expandiram as fronteiras da compreensão humana, mas também quebraram barreiras relacionadas com o género no domínio científico. O trabalho de Carola Dobrigkeit serve como um poderoso lembrete da curiosidade inata da humanidade e da nossa busca incansável pelo conhecimento sobre as enigmáticas maravilhas cósmicas que abrangem o nosso planeta.

(Foto: Arquivo Unicamp)

Na sala de aula

Sem se preocupar com a idade, a pesquisadora é modesta ao falar dos seus 50 anos de carreira acadêmica. Hoje, Carola continua na sala de aula, mas é uma das pesquisadoras mais respeitadas na área de raios cósmicos, atuando em colaboração e comissões internacionais. A cientista teve papel importante na aprovação do Projeto Temático do CTA- Cherenkov Telescope Array, pela FAPESP.

A cientista também integra a Comissão de Astropartículas (C4) da Internatonal Union of Pure and Applied Physics (IUPAP) e faz parte do Advisory Committee do Southern Wide-field Gamma-ray Observatory (SWGO) project, desde 2022. “Os avanços das últimas décadas, principalmente pela nossa capacidade de observar e medir fenômenos. Hoje precisamos avançar mais a partir do avanço tecnológico que aumenta nossa capacidade de cálculo e observação”, observa a pesquisadora.

(Foto: Arquivo UNICAMP)

Referências
[1] https://www.nature.com/articles/159694a0

[2] https://www.osti.gov/biblio/4249511

[3] https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/0550321381902832?via%3Dihub

[4] https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/0370269387908719?via%3Dihub

[5] https://scholar.google.com.br/citations?hl=pt-BR&user=2AQtV4YAAAAJ&view_op=list_works&sortby=pubdate

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